segunda-feira, 30 de agosto de 2010

SONETO DO OLHAR


Que olhar de monja em longa penitência
O olhar daqueles olhos macerados!
Pairava-lhe talvez na morna essência
Uma alma carregada de pecados.

Para que mundos, para que existência,
Tão além desta vida, ei-los voltados!
Ó inacessível, mística dolência
De uns olhos a sonhar outros noivados...

Voz do passado, som que ressuscita!
Olhar tão cheio de palavras mortas
Daqui por certo que não pode ser...

Alma, para me ver, Alma bendita,
Põe-te de luto nessas duas portas
Com uma tristeza de quem vai morrer...

SONETO DAS MÃOS


Mãos de finada, aquelas mãos de neve,
De tons marfíneos, de ossatura rica,
Pairando no ar, num gesto brando e leve,
Que parece ordenar mas que suplica.

Erguem-se ao longe como se as eleve
Alguém que ante os altares sacrifica:
Mãos que consagram, mãos que partem breve,
Mas cuja sombra nos meus olhos fica...

Mãos de esperança para as almas loucas,
Brumosas mãos que vêm brancas, distantes,
Fechar ao mesmo tempo tantas bocas...

Sinto-as agora, ao luar, descendo juntas,
Grandes, magoadas, pálidas, tateantes,
Cerrando os olhos das visões defuntas...

domingo, 29 de agosto de 2010

ORIGEM DOS ECLIPSES


Vários povos têm mitos e lendas relacionados com os eclipses e os índios brasileiros não são diferentes. Recolhemos alguns mitos sobre os eclipses lunar e solar, contados pelos índios da família tupi-guarani, das regiões norte e sul do Brasil.

Eclipse Lunar:

No início do tempo e do espaço, antes de se fixarem no céu, o Sol e seu irmão mais novo, a Lua, habitavam a Terra, vivendo juntos diversas aventuras. Para os Guarani, tanto o Sol como a Lua são considerados do sexo masculino. Um dia, encontraram Charia, um espírito maléfico, pescando em um rio.

Com o objetivo de importunar Charia, que não tinha percebido os dois irmãos, o Sol mergulhou e mexeu o anzol, imitando um peixe grande. Charia puxou o anzol vazio, caindo para trás. O Sol repetiu o seu gesto por três vezes e em todas elas Charia caiu de costas. "Agora é a minha vez", disse a Lua sorrindo. Então, ela mergulhou e foi deslizando na direção do anzol. No entanto, Charia foi mais rápido: pescou a Lua e a matou com um bastão de madeira. Depois, ele a levou para casa, como se fosse um pescado, para comer com sua mulher.

Quando estavam cozinhando a Lua, o Sol chegou e foi convidado por Charia para comer o peixe. Ele agradeceu dizendo que aceitaria apenas de um pouco de caldo de milho e pediu que não jogassem fora os ossos do peixe pois gostaria de levá-los consigo. Depois, recolhendo os ossos, o Sol levou-os para longe e, utilizando a sua própria divindade, ressuscitou o seu irmão mais novo.

Assim, um eclipse lunar representa a Lua sendo devorada por Charia, sendo que a cor avermelhada é o próprio sangue da Lua que a oculta. A Lua só ressurge em toda a sua plenitude, como lua-cheia, porque o seu irmão mais velho, o Sol, a ressuscita e salva.


Eclipse Solar:

Quando queria comer peixe, o Sol levava seu filho para lavar os pés no rio. Dessa maneira, os peixes ficavam atordoados e fáceis de pegar.

Certo dia, enquanto o Sol e seu filho pescavam, Charia apareceu e pediu emprestado o menino, dizendo que ele também queria pegar alguns peixes. O Sol, sem nada desconfiar, emprestou seu filho. No entanto, Charia levou-o para a floresta e golpeou-lhe o corpo todo como se golpeia o cipó timbó, dando o exemplo do que se faria com o timbó que ficou sendo utilizado como veneno de pescar.

Devido aos golpes, Charia matou o filho do Sol, que ficou furioso, atacando o espírito maléfico. Os dois lutaram muito, derrubando um ao outro. Quando Charia pensava que havia vencido a batalha, o Sol levantou-se novamente afugentando Charia.

As conseqüências dessa luta são, até hoje, os eclipses solares, onde Charia é representado, em geral, por uma onça que tenta devorar o Sol.

A LIÇÃO DO FEITICEIRO


Um feiticeiro africano conduz seu aprendiz pela floresta. Embora mais velho, caminha com agilidade, enquanto seu aprendiz escorrega e cai a todo instante. O aprendiz blasfema, levanta-se, cospe no chão traiçoeiro, e continua a acompanhar seu mestre.

Depois de longa caminhada, chegam a um lugar sagrado. Sem parar, o feiticeiro dá meia volta e começa a viagem de volta.

- Você não me ensinou nada hoje - diz o aprendiz, levando mais um tombo.

- Ensinei sim, mas você parece que não aprende - respondeu o feiticeiro. - Estou tentando lhe ensinar como se lida com os erros da vida.

- E como lidar com eles?

- Como deveria lidar com seus tombos - responde o feiticeiro. - Em vez de ficar amaldiçoando o lugar onde caiu, devia procurar descobrir o que te fez escorregar.

ORIGEM DO ARCO-ÍRIS


Houve uma vez em que as cores do mundo começaram uma disputa entre si. Cada uma reivindicava para si que era a melhor. A mais importante. A mais útil. A favorita...

A cor Verde disse: - Claro que sou a mais importante. Eu sou sinal de vida e de esperança. Eu fui a escolhida para a grama, árvores e folhas. Sem mim, morreriam todos os animais. Examine o campo e verá que sou maioria.

A cor Laranja, estando próxima, colocou a boca no trombone: - Eu sou a cor da saúde e força. Eu posso estar escassa, mas eu sou preciosa porque eu sirvo às necessidades da vida humana. Eu sou levada nas vitaminas mais importantes. Pense em cenouras, abóboras, laranjas e mamões. Eu não fico vadiando o tempo todo, mas quando eu encho o céu ao amanhecer ou ao pôr-do-sol, minha beleza é tão impressionante que ninguém mais pensa em qualquer uma de vocês.

A cor Azul interrompeu: - Você só pensa na terra, mas deve considerar o céu e o mar. A água é a base da vida e é retirada pelas nuvens do mar profundo. O céu dá espaço e paz e serenidade. Sem minha paz, você não seria nada.

A cor Rosa, já cheia de tudo, falou com grande pompa: - Eu sou a cor da realeza e do poder. Reis, chefes e bispos sempre me escolheram, porque eu sou sinal de autoridade e sabedoria. As pessoas não me questionam! Elas escutam e obedecem.

A cor Azul Marinho, muito mais calma que todas as outras, mas da mesma maneira e com muita determinação, disse: - Pensem em mim. Eu sou a cor do silêncio. Vocês nem sempre me notam, mas sem mim todos vocês ficam superficiais. Eu represento o pensamento e a reflexão, crepúsculo e água profunda. Vocês precisam de mim para o equilíbrio e para o contraste, para a oração e para a paz interior.

A cor Vermelha não aguentou por muito tempo e gritou: - Eu governo todos vocês! Eu sou sangue - o sangue da vida! Eu sou a cor do perigo e da coragem. Eu estou disposta a lutar por uma causa. Eu trago fogo, o sangue. Sem mim, a terra estaria tão vazia quanto a lua. Eu sou a cor da paixão e do amor.

Finalmente, a cor Amarela riu: - Você é sempre tão séria! Eu trago risada, alegria e calor para o mundo. O sol é amarelo, a lua é amarela, as estrelas são amarelas. Toda vez que se olha para um girassol, o mundo inteiro começa a sorrir. Sem mim, não haveria nada divertido.

E assim, as cores se ostentavam, cada uma se convencendo de sua superioridade. A disputa estava cada vez mais acirrada, quando, de repente, um flash surpreendente de um trovão iluminou tudo... A chuva verteu implacavelmente. As cores se encolheram de medo, enquanto procuravam ficar mais perto uma das outras.

No meio do barulho, a chuva começou a falar: - Vocês, cores tolas, lutando entre si, cada uma tentando dominar as outras... vocês não sabem que cada cor traz um propósito especial? Nem igual, nem diferente? Dêem as mãos e venham a mim.

Fazendo como lhes fora dito, as cores se uniram e deram-se as mãos.

A chuva continuou: - De agora em diante, quando chover, cada uma de vocês se estirará pelo céu, em um grande arco colorido, para lembrar que se pode viver em paz. Criarão o Arco-Íris; e ele será sempre um sinal de esperança.


E assim, sempre que uma boa chuva lava o mundo, um Arco-Íris aparece no céu, mostrando a amizade e a paz entre as cores que dura até hoje e durará para sempre.

A RAPOSA E O LENHADOR


"Existiu um Lenhador viúvo que acordava às seis da manhã e trabalhava o dia inteiro cortando lenha, e só parava tarde da noite.

Ele tinha um filho lindo, de poucos meses e uma raposa, sua amiga, tratada como bicho de estimação e de sua total confiança.

Todos os dias o lenhador ia trabalhar e deixava a raposa cuidando de seu filho. Todas as noites ao retornar do trabalho, a raposa ficava feliz com sua chegada.

Os vizinhos do Lenhador alertavam que a Raposa era um bicho, um animal selvagem, e portando, não era confiável. Quando ela sentisse fome comeria a criança.

O Lenhador, sempre retrucando com os vizinhos, falava que isso era uma grande bobagem. A raposa era sua amiga e jamais faria isso.

Os vizinhos insistiam: "Lenhador, abra os olhos ! A Raposa vai comer seu filho." - "Quando sentir fome, comerá seu filho !

Um dia o Lenhador, muito exausto do trabalho e muito cansado desses comentários, ao chegar em casa, viu a Raposa sorrindo como sempre e sua boca totalmente ensangüentada... O Lenhador suou frio e, sem pensar duas vezes, acertou o machado na cabeça da raposa... Ao entrar no quarto desesperado, encontrou seu filho no berço dormindo tranqüilamente e ao lado do berço uma cobra morta...

O Lenhador enterrou o Machado e a Raposa juntos.


Se você confia em alguém, não importa o que os outros pensem a respeito, siga sempre o seu caminho e não se deixe influenciar... E, principalmente, não tome decisões precipitadas..."

LENDA DE OSÍRIS


"Há muito tempo... quando ainda não havia o Egito ... apenas bandos de caçadores nômades e selvagens ... existiu um rei-deus chamado Osíris, casado com a propria irmã, a rainha-deusa Ísis. Eles eram deuses bons. Osíris ensinou o povo a viver em paz, a se organizar em cidades. A forjar armas de metais para se defender dos animais selvagens. A cultivar a terra, para dela tirar seu sustento. Ísis, por sua vez, organizou as famílias, livrando-as, através de sua magia, de todos os males e doenças. Era a deusa protetora do lar, das mães e das crianças.

Havia outro deus, chamado Tot, deus da ciência. Ele ensinou o povo a ler e a escrever, pois era o senhor da palavra criadora e mágica. Assim nasceu a civilização egípcia.

Osíris ficou tão feliz com os resultados que resolveu sair pelo mundo, ensinando todos os povos a fazer a mesma coisa, assim como aconteceu no Egito. E partiu, deixando no trono Ísis, sua fiel companheira. Com ele foram dois deuses amigos: Tot e Anúbis, o deus dos mortos. Mas existia no Egito outro deus, chamado Seth, o irmão mais moço de Osíris. Ele não herdara o trono, pois naquele tempo só os primogênitos tinham direito a isso. Cheio de ódio, planejou uma terrível vingança contra o irmão. Quando Osíris voltou, radiante, de sua viagem, Seth ofereceu-lhe um banquete. Então, mandou vir uma grande caixa, ricamente enfeitada, e propôs uma brincadeira: a caixa pertenceria a quem coubesse dentro dela, sem deixar o menor espaço vazio. Todos os deuses convidados tentaram, mas como eram de pequena estatura, sempre sobrava algum espaço. Acontece que Seth havia mandado fazer a caixa do tamanho exato de Osíris, que era alto e forte. Quando Osíris finalmente entrou na caixa, ela serviu perfeitamente. Ato contínuo, Seth a lacrou com chumbo e mandou jogá-la no rio Nilo. Os outros deuses, apavorados, fugiram todos, tomando a forma de animais. Ísis, desesperada, rasgou sua roupa, mas com a ajuda de Tot conseguiu fugir. E, mesmo sabendo que Osíris estava morto, resolveu resgatar seu corpo para sepultá-lo condignamente.

Díficil procura... Por longo tempo, Ísis perambulou pelo Egito. Como não sabiam que se tratava de uma deusa, e estivesse vestida com andrajos, ninguém a queria receber. Seth, por sua vez, sempre vingativo, ordenava que espíritos malignos atrapalhassem seus caminhos... Mas Ísis tinha grande poder, e sua escolta era constituída de sete escorpiões venenosos que a protegiam, como muralha viva, de todos os males. Perguntando aqui e ali, soube por algumas crianças que a caixa, boiando no Nilo, chegara até o mar ... Ísis continuou viagem e, finalmente, chegou à cidade de Biblos. Lá, descobriu que a caixa tinha ancorado junto a uma moita, e esta, por encanto, se transformara numa grande acácia, cujo tronco absorvera a caixa com o corpo de Osíris. A árvore era tão linda e estranha que o próprio rei do lugar mandou que fosse levada como coluna para seu palácio. Ísis resolveu usar sua magia. Então, todas as noites se transformara numa pequena andorinha e ficava rodopiando em torno da coluna, no palácio do rei, enquanto soltava pungentes trinados ... Isso não adiantou muito e ela mudou de tática, voltando à forma de mulher, fez amizade com as criadas da rainha, que iam buscar água no poço. Ficaram tão encantadas e falaram tanto dela que até a rainha quis conhecê-la. Logo, Ísis foi transformada na governante do pequeno príncipe, herdeiro do trono. Mesmo assim, todas as noites, ela ainda se transformava em andorinha e, rodeando a coluna, cantava tristemente para o amado esposo.

Um dia, a rainha entrou inesperadamente no quarto do filho e ficou apavorada: o pequeno berço estava rodeado pelas chamas, enquanto sete escorpiões formavam um círculo agressivo ao seu redor. Os gritos da rainha atraíram o rei e a guarda, mas Ísis, impaciente, apagou o fogo com um simples gesto. Depois contou ao rei e à rainha, assustados, que, em gratidão pela hospitalidade recebida, teria dado a imortalidade ao príncipe, através das chamas purificadoras. Mas, com a entrada da rainha, o encanto se quebrara para sempre. A rainha ficou muito triste, mas o rei se sentiu profundamente honrado de ter dado hospitalidade a uma deusa. E disse a Ísis que pedisse o que quisesse. Na mesma hora, ela pediu a coluna do palácio. Tirou dela a caixa com os restos mortais de Osíris, deixando a árvore como relíquia sagrada para o rei e o povo. Então voltou para sua terra, mas, no caminho, não resistindo á curiosidade, abriu a caixa. Foi tão grande sua dor vendo o que restara de Osíris, que se transformou num falcão e começou a voar em círculos; por milagre, nesse instante, foi fecundada pelo marido morto.

Quando finalmente voltou ao Egito, Ísis, já de volta à sua forma humana, escondeu a caixa nos pântanos, para que ninguém a encontrasse. Mas Seth era um deus maligno. Certa noite, quando caçava nos pântanos, encontrou a caixa com o corpo do irmão. Louco de fúria, esquartejou o corpo em 14 partes que mandou espalhar por todo o Egito.

Não havia terminado o tormento de Ísis. Ela recomeçou sua busca apaixonada, pelo Egito, até que, depois de terríveis fadigas, conseguiu encontrar os 13 pedaços. O outro fora devorado por um esturjão do Nilo. Mas como devolver a vida a Osíris, ressuscitá-lo? Ansiosa, Ísis pediu ajuda a vários deuses, parentes ou amigos: a Néftis, sua irmã e esposa de Seth, mas inocentes de seus crimes, e a Tot e Anúbis. Anúbis embalsamou o corpo, daí surgindo a primeira múmia do Egito. Osíris ressuscitou, mas não pôde mais reinar na Terra, e sim no "lugar que fica além do horizonte ocidental".

Conseguido seu intento, Ísis escondeu-se no pântano, para proteger a vida do seu filho que esperava, contra a vingança de Seth. Quando o menino nasceu, ela lhe deu o nome de Hórus, cujo olho direito era o sol, e o esquerdo era a lua. E se transformava, quando queria, nun grande falcão, que voava livre pelos céus ... Quando Hórus cresceu, tornou-se um valente guerreiro. Reuniu os fiéis súditos de Osíris para vingar o pai ... Travou feroz batalha com Seth, que durou três dias e três noites, da qual Seth saiu gravemente ferido. Quase moribundo e por artes de feitiçaria, Seth setransformou num javali negro que arrancou o olho esquerdo de Hórus ... Nesse instante, a lua parou de brilhar no céu, o que deixou o povo apavorado. A batalha continuava sem fim, até que Ísis, desesperada, pois Seth também era seu irmão, pediu ao filho que desse fim a ela. Hórus, enraivecido, decepou a cabeça da mãe. Nesse instante, Tot, por sua conta, resolveu intervir; deu nova cabeça a Ísis, curou Seth, mas antes exigiu que ele devolvesse o olho esquerdo de Hórus. Depois de duas semanas, a lua voltou a brilhar no céu, para alegria do povo.

Porém, os deuses, descontentes, exigiram que Tot presidisse um julgamento, para decidir quem era o herdeiro de Osíris no trono do Egito. Seth acusava Hórus de ter sido gerado após a morte do pai, ao que Hórus replicava que Seth não merecia confiança, pois sempre agira de má fé. O processo durou oitenta anos. Finalmente, o Divino Tribunal dos deuses decidiu que: o Egito seria dividido em dois: o baixo Egito ficaria com Hórus e o alto Egito com Seth. Isso aconteceu há 13.500 anos antes de Menés ... "

(A lenda foi recolhida por Plutarco - historiador grego que viveu há dois mil anos, no início da era cristã, e reproduzida largamente até agora.)

O ANJO SURDO


Conta-se que uma mulher vivia sozinha e muito se lamentava de solidão e nenhuma companhia. Ninguém jamais aparecia em sua casa.

Certa manhã, chovia muito, e alguém bateu à sua porta: era um pequeno homem, tremendo de frio, molhado da cabeça aos pés. Vendo o visitante tão inesperado, imediatamente mandou que ele entrasse.

Ali, com as vestes pingando, ele ouviu a mulher que por mais de uma hora lamentou sua solidão e falta de companhia. Ela não lhe ofereceu roupas secas ou algo quente para se aquecer, tão envolvida que estava em suas próprias queixas. Ele não tirava os olhos dos seus lábios em movimento ansioso, contínuo e disparado.

Cessada a chuva, ele fez menção de sair da casa, no que a mulher se inquietou:

"Espere! Nem sei seu nome! Você voltará? "

Ao que o homem reagiu, estendendo-lhe um papel totalmente seco, onde se lia:

"Sou o Anjo Surdo. Só posso ouvir corações. Trago o remédio que cura a solidão, fazendo nascer amizades. Seu efeito não se manifesta naqueles que só falam de si e pensam apenas em si próprios."

Isto dito, desapareceu...e nunca mais alguém bateu naquela porta.

DUAS ASAS


Muito tempo atrás...depois do mundo ser criado e da vida completá-lo... Houve num dia, numa tarde de céu azul e calor ameno, um encontro entre Deus e um de seus incontáveis anjos. Acredita?

Deus estava sentado, calado, sob a sombra de um pé de jabuticaba. Lentamente, sem pecado, Deus erguia suas mãos e colhia uma ou outra fruta. Saboreava sua criação negra e adocicada. Fechava os olhos e pensava. Permitia-se um sorriso piedoso. Mantinha seu olhar complacente.

Foi então que das nuvens um de seus muitos arcanjos desceu e veio em sua direção. Já ouviu a voz de um anjo? É como o canto de mil baleias. É como o pranto de todas as crianças do mundo. É como o sussurro da brisa. Ele tinha asas lindas... brancas, imaculadas.

Ajoelhou-se aos pés de Deus e falou:

"Senhor... visitei sua criação como pediu. Fui a todos os cantos. Estive no sul, no norte, no leste e oeste. Vi e fiz parte de todas as coisas. Observei cada uma de suas criações humanas. E por ter visto vim até o senhor... para tentar entender. Por quê? Por que cada uma das pessoas sobre a terra tem apenas uma asa? Nos anjos temos duas... podemos ir até o amor que o senhor representa sempre que desejarmos. Podemos voar para a liberdade sempre que quisermos. Mas os humanos com sua única asa não podem voar. Não podem voar com apenas uma asa..."

Deus, na brandura dos gestos, respondeu pacientemente ao seu anjo:

"Sim... eu sei disso. Sei que fiz os humanos com apenas uma asa..."

Intrigado com a consciência absoluta de seu senhor, o anjo queria entender e perguntou:

"Mas por que o senhor deu aos homens apenas uma asa quando são necessárias duas asas para se poder voar... para se poder ser livre?"

Conhecedor que era de todas as respostas, Deus não teve pressa para falar. Comeu outra jabuticaba, escura e suave. E então respondeu:

"Eles podem voar, sim, meu anjo. Dei aos humanos apenas uma asa para que eles pudessem voar mais e melhor que Eu ou vocês, meus arcanjos... Para voar, meu amigo, você precisa de suas duas asas... Embora livre, sempre estará sozinho. Talvez da mesma maneira que Eu... Mas os humanos... os humanos com sua única asa precisarão sempre dar as mãos para alguém a fim de terem suas duas asas. Cada um deles tem na verdade um par de asas... uma outra asa em algum lugar do mundo que completa o par. Assim eles aprenderão a se respeitar, pois ao quebrar a única asa de outra pessoa podem estar acabando com as suas próprias chances de voar. Assim, meu anjo, eles aprenderão a amar verdadeiramente outra pessoa... Aprenderão que somente se permitindo amar eles poderão voar. Tocando a mão de outra pessoa em um abraço correto e afetuoso eles poderão encontrar a asa que lhes falta...e poderão finalmente voar. Somente através do amor irão chegar até onde estou...da mesma forma que você, meu anjo. E eles nunca... nunca estarão sozinhos quando forem voar."

Deus silenciou em seu sorriso.

O anjo compreendeu o que não precisava ser dito.

O CAMINHO DO TIGRE


O homem caminhava pela floresta quando viu uma raposa aleijada."Como ela se alimenta?", pensou.Neste momento, um tigre se aproximou com um animal entre os dentes. Saciou sua fome, e deixou o que havia sobrado para a raposa.

"Se Deus ajuda a raposa, irá me ajudar também", refletiu. Voltou para sua casa, trancou-se, e ficou esperando que os Céus lhe dessem comida. Nada aconteceu. Quando já estava ficando fraco demais para sair e trabalhar, um anjo apareceu.

- Por que você resolveu imitar a raposa aleijada? - perguntou o anjo. Levante-se, pegue suas ferramentas, e siga o caminho do tigre!

ANJOS DISTRAÍDOS


Era uma vez um anjinho, muito distraído, chamado Amorel. Ele recebeu uma incumbência de Deus:

- Amorel, acabo de inventar os humanos, eles estão classificados como homem e mulher. Cada um tem seu par e já estão todos alinhados de par em par. Pegue esta bandeja de humanos e leve para que eles habitem a Terra.

Amorel ficou contente, pois há muito tempo o Senhor não o chamava para tão nobre trabalho. O anjinho pegou a bandeja e ao virar uma esquina lá no céu, trombou com uma anjinha chamada Amanda. A bandeja voou longe, e todos os casais de humanos se misturaram. Amorel e Amanda ficaram desesperados e foram contar para Deus o ocorrido.

O Senhor falou:

- Vocês derrubaram, vocês juntarão!

Porém, parece que Deus se esqueceu que os anjinhos eram muito distraídos. E é por isso que a cada dia os casais se juntam e se separam.

Os dois anjinhos trabalham incessantemente para que os casais originais se encontrem.

O trabalho é muito difícil, tanto é que por muitas vezes eles juntam casais errados, pois os humanos espalhados ficam inquietos e cobram o serviço dos anjinhos o tempo todo.

Quando os humanos se mostram muito desesperados, os anjinhos unem dois desesperados, mas logo depois percebem o engano e os separam. E, por muitas vezes, está separação é brusca, pois não se tem tempo a perder.

Recebi um bilhete dos dois anjinhos e vou mandar pra você agora:

"Se você é um humano, queremos pedir desculpas pela nossa distração, pois errar não é só humano!

Estamos trabalhando com empenho, porém, sempre contando com a ajuda de vocês. Não se desesperem, mas também não se isolem, tentem se mostrar realmente quem é cada um de vocês, pois à medida que cada um mostrar o que é de verdade, vai tornar o nosso trabalho mais fácil.

Aproveitamos a oportunidade para nos desculpar pelas separações abruptas, sabemos que elas geram muito transtorno, mas se nós o separamos de alguém, é por que em algum canto vimos alguém bem mais parecido e, por isso, precisamos isolá-los para facilitar o encontro."

O PREÇO DO PARAÍSO


Em Cracóvia, na Polônia, havia um homem muito pobre, que não conseguia sequer arranjar dinheiro para sustentar sua família. Quando chegou o Natal, envergonhado de não poder dar nenhum presente à sua mulher, resolveu vender o único animal que possuía - uma galinha, que lhe dava todos os dias pelo menos um ovo para comer. Imaginava que podia comprar algo de belo, mas naquele mesmo dia ela caiu doente, e o homem teve que usar quase todo o dinheiro em remédios. Desesperado, foi procurar o padre do seu bairro.

- Sobrou algo da venda? - perguntou o padre.

- Dez centavos.

- Tudo que vem de Deus tem sua razão de ser. No caminho de volta, passe no mercado e compre para sua mulher a primeira coisa que custar dez centavos. Ela ficará alegre com o presente.

O homem agradeceu, e foi até o mercado. Viu lindas jóias e pensou: "Deus me fará encontrar algo barato".

Aproximou-se da barraca e falou com o comerciante:

- Tenho dez centavos: o que posso comprar?

- Dez centavos! Estou diante de um maluco! A jóia mais barata vale cem moedas de ouro!

- Mas o padre disse que eu conseguiria comprar algo.

Como não havia movimento àquela hora, o comerciante resolveu se divertir:

- Na verdade, eu estava pensando em vender meu lugar no paraíso. E custa exatamente dez centavos!

Sem hesitar, o homem tirou o dinheiro, e o comerciante escreveu em um papel de embrulho: "Vale um lugar no paraíso." Os dois apertaram as mãos, certos de que tinham feito um bom negócio.

Naquela noite, o comerciante, dando gargalhadas, contou a história à sua esposa. Ela reagiu, histérica:

- Jamais viverei com alguém que engana os pobres, e justamente na época de Natal! Saia daqui, e só volte quando tiver este pedaço de papel de novo em suas mãos!

O comerciante, aterrorizado, saiu e começou a procurar o homem por toda a cidade, até que o encontrou.

- Na verdade, eu o enganei - disse. - Aqui estão seus dez centavos, por favor, me devolva o papel.

- Mas eu estou satisfeito! Comprei porque quis, e minha mulher ficará contente com um lugar garantido nos céus!

- Está bem: então já estará ganhando dinheiro, porque lhe pagarei vinte centavos por este papel.

- Não se preocupe, o senhor não me enganou, e estou satisfeito.

- Vou lhe fazer uma oferta que não poderá recusar: lhe darei uma moeda de ouro por este pedaço de papel.

O homem, porém, não se impressionou:

- Uma moeda não resolve meus problemas. Preciso de dez moedas de ouro, porque é isso que ela merece; poderá comprar todos os presentes que deseja, e que nunca pude lhe dar.

O comerciante levou um susto: dez moedas! Mas era pagar isso, ou não poder voltar. Pagou, pegou o papel, e correu para casa.

- Dez moedas de ouro por este papel sem valor! - disse para a esposa. - Aqui está o seu presente de Natal, e não me peça nada mais!

Neste momento, um anjo apareceu para a mulher:

- Quando o seu marido estava disposto a vender seu lugar no paraíso por dez centavos, ele não custava nem um centavo sequer. Mas quando ele se dispôs a comprar de volta por dez moedas de ouro, apenas por amor à você, saiba que o lugar passou a valer muito mais que isso.

"Deus coloca as pessoas certas, nas horas certas, para que se ajudem mutuamente. Graças a você, a alegria da noite de Natal será maior nos céus - porque a alma do seu marido foi salva; também será maior na terra, porque um homem pobre pôde dar dez moedas de ouro para sua esposa. Por tudo isso, agora você merece também sua recompensa."

E transformou o pedaço de papel em uma esmeralda, que até hoje pode ser vista em uma casa na região de Grabarka, na fronteira com a Bielo-Russia.

(Baseada em uma lenda judaica)

TODO MUNDO TEM UM ANJO CHAMADO.


Uma criança, pronta para nascer, perguntou a Deus:

"Dizem-me que estarei sendo enviado à Terra amanhã. Como eu vou viver lá, sendo assim pequeno e indefeso?"

Deus: "Entre muitos anjos, eu escolhi um especial para você. Ele o Estará esperando e tomará conta de você".

Criança: "Mas diga-me: aqui no céu eu não faço nada a não ser cantar e sorrir, o que é suficiente para que eu seja feliz. Serei feliz lá?"

Deus: "Seu anjo cantará e sorrirá para você e... A cada dia, a cada instante, você sentirá o amor de seu anjo e será feliz".

Criança: "Como poderei entender quando falarem comigo se eu não conheço a língua que as pessoas falam?"

Deus: "Com muita paciência e carinho, seu anjo lhe ensinará a falar".

Criança: "E o que farei quando eu quiser Te Falar?"

Deus: "Seu anjo juntará suas mãos e lhe ensinará a orar".

Criança: "Eu ouvi que na Terra há homens maus. Quem me protejerá?"

Deus: "Seu anjo lhe defenderá mesmo que signifique arriscar a própria vida".

Criança: "Mas eu serei sempre triste porque não Te verei mais".

Deus: "Seu anjo sempre lhe falará sobre Mim e lhe ensinará a maneira de vir a Mim, e Eu estarei sempre dentro de você".

Nesse momento, havia muita paz no Céu, mas as vozes da Terra já podiam ser ouvidas. A criança, apressada, pediu novamente:

"Oh, Deus, se eu estiver a ponto de ir agora, diga-me, por favor, o nome do meu anjo!".

Deus: "Você chamará seu anjo de MÃE"!!!"

LENDA DA FLOR DE LÓTUS


Certo dia, num tranqüilo lago solitário, em cuja margem se erguiam frondosas árvores, com perfumadas flores de mil cores, e coalhadas de ninhos, onde aves canoras chilreavam, encontraram-se quatro elementos irmãos: o Fogo, o Ar, a Água e a Terra.

- Quanto tempo sem nos vermos em nossa nudez primitiva - disse o Fogo cheio de entusiasmo, como é de sua natureza.

- É verdade - disse o Ar. - É um destino bem curioso o nosso. À custa de tanto nos prestarmos para construir formas e mais formas, tornamo-nos escravos de nossa obra e perdemos nossa liberdade.

- Não te queixes - disse a Água -, pois estamos obedecendo à Lei, e é um Divino Prazer servir à Criação. Por outro lado, não perdemos nossa liberdade. Tu corres de um lado para outro, à tua vontade; o irmão Fogo entra e sai por toda parte, servindo à vida e à morte. Eu faço o mesmo.

- Em todo o caso, sou eu quem deveria me queixar - disse a Terra - pois estou sempre imóvel e, mesmo sem minha vontade, dou voltas e mais voltas, sem descansar no mesmo espaço.

- Não entristeçais minha felicidade ao ver-nos - tornou a dizer o Fogo - com discussões supérfluas. É melhor festejarmos estes momentos em que nos encontrarmos fora da forma. Regozijemo-nos à sombra destas árvores e à margem deste lago, formado pela nossa união.

Todos o aplaudiram e se entregaram ao mais feliz companheirismo. Cada um contou o que havia feito durante sua longa ausência, as maravilhas que tinham construído e destruído. Cada um se orgulhou de se haver prestado para que a Vida se manifestasse através de formas sempre mais belas e mais perfeitas. E mais se regozijaram, pensando na multidão de vezes que se uniram fragmentariamente para o seu trabalho.

Em meio de tão grande alegria, existia uma nuvem: o homem. Ah! Como ele era ingrato. Haviam-no construído com seus mais perfeitos e puros materiais, e o homem abusava deles, perdendo-os. Tiveram desejo de retirar sua cooperação e privá-lo de realizar suas experiências no plano físico. Porém a nuvem dissipou-se e a alegria voltou a reinar entre os quatro irmãos. Aproximando-se o momento de se separarem, pensaram em deixar uma recordação que perpetuasse, através das idades, a felicidade de seu encontro. Resolveram criar alguma coisa especial que, composta de fragmentos de cada um deles, harmonicamente combinados, fosse também a expressão de suas diferenças e independência, e servisse de símbolo e exemplo para o homem. Houve muitos projetos que foram abandonados por serem incompletos e insuficientes. Por fim, refletindo-se no lago, os quatro disseram:

- E se construíssemos uma planta, cujas raízes estivessem no fundo do lago, a haste na água e as folhas e flores fora dela? - A idéia pareceu digna de experiência.

- Eu porei as melhores forças de minhas entranhas - disse a Terra - e alimentarei suas raízes.

- Eu porei as melhores linfas de meus seios - disse a Água - e farei crescer sua haste.

- Eu porei minhas melhores brisas - disse o Ar - e tonificarei a planta.

- Eu porei todo o meu calor - disse o Fogo - para dar às suas corolas as mais formosas cores.

Dito e feito. Os quatro irmãos começaram a sua obra. Fibra sobre fibra foram construídas as raízes, a haste, as folhas e as flores. O sol abençoou-a, e a planta deu entrada na flora regional, saudada como rainha.

Quando os quatro elementos se separaram, a Flor de Lótus brilhava no lago em sua beleza imaculada, e servia para o homem como símbolo da pureza e perfeição humana. Consultaram-se os astros, e foi fixada a data de 8 de maio - quando a Terra está sob a influência da Constelação de Taurus, símbolo do Poder Criador - para a comemoração que, desde épocas remotas, se tem perpetuado através das idades. Foi espalhada esta comemoração por todos os países do Ocidente, e, em 1948, o dia 8 de Maio se tornou também o "Dia da Paz".